Homenagem ao meu Pai,
de quem recebi o amor e o respeito pela verdade
e pela beleza das coisas e dos seres:
a terra, a família e o trabalho.
“… Queres que te conte…
Oh!... Eu tinha tantas coisas para contar!… Infelizes, aqueles que nada têm para contar!… “
“Olha!… escreve sobre a nossa terra!
O nascer do sol! É tão bonito o nascer do sol na nossa terra!”
“Eu gostava muito do campo! Era feliz só de ouvir os passarinhos, por essas ladeiras abaixo!
Sem me poder mexer, há tantos e tantos anos, meu Deus! Só por milagre! Eu ia para o campo, nem que fosse só por ver e ouvir e respirar aquela vida da natureza!
O amanhecer, no campo, é um verdadeiro milagre!
Aquilo era uma alegria! Um lindo quadro bucólico, digno de ser registado!”
É bonito o nascer do Sol na minha terra!
Magnífico!
Na Primavera, acorda em alvoradas de luz morna, de sumptuosos raios doirados em florescentes clarões matinais, faiscantes de brilho e esplendor, estendendo-se pelos montes e vales, até refulgir nas pedras das casas, em promessas de paz celestial!
Depois, vai-se derramando pelas encostas do Poio, demora-se nas hortinhas de Lameiras e da Ferraria, em ribeiros de água fresca a borbulhar de vida e saúde, brinca com algum rebentinho que veio antes do tempo, surpreendendo o lavrador, de costas vergadas sobre o arado, e espraia-se!... em demoradas manhãs de portas e janelas escancaradas a beber a fonte da vida, em casas de xisto, de paredes cinzentas e austeras de hábitos e tradições.
De Verão, a desfazer-se em fiozinhos de algodão, em céu azul e suave, ou cinzento, escuro e tenebroso, no Inverno; ou até no Outono, de indiferentes e melancólicas nuvens, em céu duvidoso e taciturno, de dias sombrios, é sempre belo o nascer do sol na minha terra!
Estava tão bonito o campo!
Eram dias de calor intenso! As ruas, ainda no sossego de tardes abafadas, despertavam dessa letargia ao som dos cascos atordoadores das bestas, nas pedras da calçada; chapéus de palha, doirada ao sol, de abas largas e redondas, ondeavam serenamente por entre a folhagem e o arvoredo, nas hortas vizinhas.
O Valcovo vicejava no chão húmido da rega, em lentos e arrastados caldeiros de nora, tantarolando, na doce e tranquila paz do campo, ou em mão vezeira de lavrador amadurecido e cansado, de madrugadas mal dormidas. O cheiro, doce e suculento dos pêssegos, amarelos, de penugem esbranquiçada e dos damascos, espargindo-se, na tarde quente, vinha amaciar o toque amargo das figueiras verdes e o travo ainda ácido das maçãs, na dureza dos torrões velhinhos, da terra adormecida; mulheres de ancas redondas e generosas, em saias rodadas, largas de volumes e formas, ajoujavam-se, debaixo das videiras pendentes em verdes e sombrias latadas, ou sobre as couves verdes, de folhas largas e abundantes.
As oliveiras, verdes colheitas de lagar, agitavam-se em sombreados, apaziguadores e reconfortantes, enquanto o limoeiro e a madressilva, se conjugavam em odorífera amálgama de perfume benfazejo, combinado com o aroma da laranjeira e da nespereira que, ao longo do ano, para reverdejarem em saborosos e apetecidos frutos, se desfazem da roupagem, libertando-se de folhas secas e mortas, exalando um aroma quente e melífluo, a desafiar o cheiro da rosa e do lilás ; os pimentos e os tomates, cresciam, carnudos, a rebentar de seiva em alegres e garridos tons de vida, contrastando com as abóboras amarelas e os melões maduros; as alfaces, tenras e viçosas, farfalhavam, de verdura, a terra fresca; e as cebolas, impertinentes de porte e de sabor, erguiam-se altivas, no meio de pezinhos de salsa, tão humildes, quão intensos de aroma e de paladar!
O trigo e a cevada amontoavam-se em medas nas eiras de lajes cinzentas desvanecidas em leves e suaves amarelos de palha, ou de alguns grãos de espiga aberta e mal triturada , acabando em bico de galinha ágil e adestra a estas lides. À volta dos muros, os ceifeiros cirandavam , de camisas coladas ao corpo, e lenço vermelho atado ao pescoço.
Em redor dos prados, havia grandes amendoais, dobrados ao calor pesado do mês de Agosto, e as oliveiras enfeitavam os campos, secos, de mil folhinhas, pequeninas azeitonas, etéreas, quase, a lembrar o amarelo, doirado do azeite e o sol, qual fogueira de luz, em plúmbeo céu, esbranquiçado contudo, brincava com as pedras cinzentas dos muros, redobrando-se em brilhos de paz e de tranquilidade.
A noite fechava-se no silêncio e na paz dos campos, e o último rego esgotava-se na procura do único bem precioso, a terra! que havia de repousar, fresca e revigorada, em noites silenciosas, de brumas sussurrantes, borbulhando de fertilidade e de seiva, nos regos e nos ribeiros de águas frescas, puras e cristalinas, onde a manhã se demorava, enquanto o sol subia, resplandecente de paz e felicidade, pelos cabeços dos montes.
…e a angústia da partida assombrava a paz edílica da terra…
Estava realmente bonito o campo, naquele dia!
Arinda Andrés
Retratos da minha infância